Escrever?

"Escreve-se sempre para dar a vida, para liberar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga" (Gilles Deleuze)

sexta-feira, 19 de setembro de 2014

Dessas coisinhas de amor



Ao levantar, noite terrível. Insônia. Pesadelo. Suador também. Riu de si mesmo. Da ironia e da desgraça também.  Dizem que rir de si mesmo é como terapia, nos faz entender bem melhor o que somos... ou o que não somos (leia-se aqui um certo fatalismo e sarcasmo).
Não. Não se preocupem, esse texto não vai ser recheado de  disritmias cardíacas nem lágrimas dramáticas. Vivemos em um mundo onde se engole tudo, e ele. O mundo. Nos engole. Então não haverá drama. Haverá um certo humor trágico. Acho que fica bem um certo humor trágico. É...
Pois bem. O nome dele é Eu poético. Entenderam a jogada? Não?  Essa eu não vou explicar...
Levantou então e no banho, enquanto se preparava para a gravata o carro e a vida de sempre. Estancou. Merda. Merda!!
Estava encrencado. Entrara na sua vida algo indesejado. Sem querer, sem perceber... ou já tinha percebido? Claro que já... mas o imediatismo da coisa é mais interessante, mais impactante...
Ele. O cara mais chato do mundo. Ele, justamente ele, um homem de meia idade se viu vítima daquilo. Mas... o que é uma meia idade?  Qual é a idade toda? Voltando para o drama então. Como ele, um homem já endurecido pelo tempo e pelas mazelas da vida conseguira permitir tamanha bobagem?
O amor. Mas que merda!!! Pensava. Era uma merda. E que não viessem com frases de efeito romântico e cheias de frescura. O amor era uma merda! Era sim.
Chegava sem ser convidado, indivíduo folgado como o capitão Rodrigo, mas o Rodrigo interpretado pelo Tarcísio, o Lacerda era sofrível... (perceberam a tática de dispersão?) também não vou explicar...
Pois é. Chegava essa coisa. Cruel. Trazendo junto, grudado na pele coisinhas baixas e medíocres como o ciúmes, e coisas muito grandes como a dor. Dor singular. Não qualquer dor, mas aquela que vocês bem sabem, ou em  breve saberão. E tenho pena de vocês.
E por que digo que o amor é uma merda? Porque ele menospreza nosso cérebro. Gastamos tempo e dinheiro "treinando" o desgraçado do cérebro para esse enfrentamento. Anos e anos. Ele mais do que todos. O Eu Poético era um alucinado por esse tipo de treinamento. Livros e mais livros. Horas e horas lendo e relendo. Se preparando para o grande confronto. Seguro. Firme. Pronto. E quando vê. Não vê mais nada. Só o outro lado e aquela dor maldita no peito.  Pra puta que o pariu com essas coisinhas de amor. Já não tinha idade. Queria que o coração entendesse. O Cérebro insistia. O corpo todo preparava seminários para que o maldito órgão entendesse. Mas nada. O coração é a parte mais burra do corpo humano. Criatura imbecil. Insistente, eternamente juvenil. Infantil. O corpo definha se enruga, e ele ali, débil mental, pulsando e pulsando como um cachorrinho que balança o rabo para o dono. Patético, deprimente.
O álcool era bom para o amor. Afogava. Todo ele. Mas não matava. Só anestesiava o animal.
E fazer o quê?
Óbvio. Era óbvio. Essa coisa de amor só exige uma coisa do corpo e da alma. O  sofrimento. A dor. Não há amor sem dor. Muita dor sempre...
E é por isso que ele é uma merda. Claro que é.

No espelho seu olhos de ver muitos mundos o observavam. E tripudiavam dele. A carne que envolve o amor sempre é mais nova, mais bela, mais viçosa... e outras carnes e corpos estão dispostos a esses encontros. O amor é infantil, e os discursos prováveis desse amor são também juvenis, e ele. O Eu poético. Tinha o coração patético. O discurso afiado e cruel, já não estava mais lá. Onde se brincava de amar. Era um monstro. Situado entre ideais e conceitos, teses e análises... estava longe, já não estava mais lá. Por que aquela merda de sentimento insistia em açoitar sua costas?

Açoitar costas já é meio dramático demais...tinha prometido não cair em lugares comuns. Mas quando se fala em amor, o tombo nos mesmos buracos é quase certo.
Pois bem. Enquanto amarrava a gravata. Nó desesperado de enforcamento. Pensava. Não podia estar acontecendo. Não era verdade. Puta que pariu. Não era verdade!

Bateu a porta de casa e entrou no carro. A estrada. Um aperto no peito. Não podia ser dramático. Não queria ser dramático. Não seria.

Mas no fundo... bem lá no fundo. Longe dos diplomas e livros... existia um homem. Pequeno e frágil. Louco pra chorar.

E isso era uma merda!!!!