Seria interessante. Escorrer. Correr silencioso.
Infiltrando-se em toda matéria, levando outras...
Ser água. Em tudo estar.
Menos nesta folha. Neste texto. Longe do meu espaço.
Quadrado. Espaço que delimita meu corpo físico, clínico. Meu texto. Contexto.
A janela chora minha angústia. E dissolve o vidro em memória
aquosa. Lembrança. A água entrando... conectando em sinapses uma existência em que o fragmento é a
verdade.
A palavra não anda. O texto não caminha em estrada
definida... se perde. Perde-se no sem palavras da chuva. Nuvem.
Escura em devir permanente. Raios? Trovões?
A secura desta peça me sufoca. A tela do computador dociliza
a alma. A raiva.
O homem precisa de raiva. Precisa de indignação. Assim como
o mundo precisa da tempestade. Da chuva...
Nem chover consigo. A
água me é escassa; no corpo e na alma. Velho. A idade seca o homem. Drena a
vida. A água...
Ainda lembro... lembro das lágrimas juvenis. Do rosto
encharcado e das dores advindas de minhas desilusões amorosas. Água. Saudade da
água.
Hoje tenho o texto. a palavra e a memória. Poço profundo de
onde bebo alguma vida. Escassa. Alguns breves sorrisos.
A solidão não irrita ninguém. Pelo menos não a mim. O que mi
irrita é a ausência de vida. Essa escassez da água no corpo. Esse esvair de
intenções. Sonhos.
Meu texto procura a liquidez da chuva... fluidez.
A terra está encharcada. A água faz possas. Liga as possas e
faz pequenos lagos que escorrem. Fluem. Luzes no céu. Barulho. Estrondo de
vida.
Minha folha está morta. Branca e ousada, me desafia. Me
julga em sua possibilidade de conter o reflexo da vida em letras e idéias. E
nua e alva e crua zomba da decrepitude da minha criatividade. Está frio?
Sempre está frio para os velhos. E isso é uma merda.
Decidir não fácil. Fazer escolhas...
Mas quando não há escolhas é fácil. Fluir. Apenas fluir...
Na folha a palavra chuva. Título e texto. Condensação máxima
da história de uma vida. Chuva.
Receber a água é doloroso para os velhos. Gelada. Forte.
Poder.
Escorrer para dentro e além de qualquer corpo físico.
Percorrer as distâncias possíveis, e depois elevar-se em vapor. Vaporizar-se .
Deitado no chão ele ainda pareceu ouvir gritos de menino que
num passado além do real gritava e dançava em uma chuva anterior...
Sorriu ao perceber que a criança era ele.
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