Caminhar é bom. Rodar é
diferente. Nem tão rápido. Medida certa, tanto lenta quanto no furor do vento. O
movimento.
É do coração... e das
pernas que cansam numa alegria satisfeita. Simetria com chão, estrada e sombra.
A sombra segue sempre e o olho à sombra. Segue também. E é o tempo da roda. Movida
pela vontade. Músculo e paisagem. Pois o que se vê também é a bicicleta, e o
passeio, e a passagem e o movimento todo. E o vento. E o sol.
O rosto é visto e a voz
ouvida. Do outro que no contrário movimento faz que fica e continua em outro ritmo.
Os carros não contam. Frios e limpos. Rápidos
e cheirando a gasolina. Ovos de lata que chocam as vaidades de seus motoristas.
Que nada vêem. Embevecidos que estão por seus próprios reflexos que interpretam
importâncias para pequenos espelhos. Os carros não contam.
Contam as árvores todas
e a grama que nasce. E a roda que na velocidade exata percebe um verde que se
singulariza de outros tantos verdes que já não são os mesmos. Nem os sorrisos. Diferentes
todos. E as caras fechadas. Todas diferentes. E belas. A visão libertada de janelas.
Olhos que vêem, mesmo no precipitar das duas finas rodas, rugas e vidas que se
enredam, se enroscam...
Há também o som. Ou o
fone e a escolha sonora. Música para rodar. Música para se perder para além do
asfalto. Fugir do asfalto. No chão e no buraco. Deslizar. Fluido. Parar para
atravessar a tartaruga, vislumbrar o sofá antigo e vermelho jogado inconseqüentemente
no pequeno riacho, que serve de assento para todos os fantasmas e criaturas do
campo. Se o alcançasse, também descansaria alguns momentos ali. Mas, agora, é
templo sagrado de mistérios e ninho. De pássaros ou cobras. Somos todos. Um pouco
de cada. Cobras e pássaros. Voamos e rastejamos. Então rodar. Mesmo que o braço
canse e a perna chore. O mundo está esperando. Mesmo o pequeno espaço que
conseguimos alcançar. A quantidade de terra que conseguimos atravessar. A ladeira
que nos ameaça e se insinua. E o pneu que murcha. E as costas que cansam.
É o espaço e o tempo
outro. Longe ficam o resto todo. Prisões e apreensões sociais, vaidades e
obrigações, deveres aparências. Só a sombra aprendendo a ser nada. A bicicleta
e o homem. Metamorfose de carne e metal na construção interessante de um nada
necessário. Deserto. Repleto de tantas coisas, mas sempre vazio. Aberto para
todos os caminhos impossíveis.
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