Não.
Ainda não era o que deveria. Ser. Seria das palavras. Seria o corpo e mente. A
boca da palavra. Era isso. Queria isso. Queria ser verbo. Era imprescindível
ser. O discurso. Todo ele. Em todos os gêneros. Em todos os tipos. Tinha que
ser. Não lhe bastava o corpo exato. Medido em carne e osso e sangue. Queria o
outro. Sangue negro da tinta. O sangue nobre do corpo do texto. Sangue que
escorre pelas páginas e diz. Fala.
Mas
não era. Era muito aquém disso. E daquilo. Era a lacuna e o espaço branco. O
silêncio da palavra. O espaço do desespero do verbo que não se concretiza.
Túmulo do verbo.
Frustração.
Os dedos buscavam o ritual. Dança frenética em busca da magia que abrisse as
portas para aquela outra dimensão. Noites de encantamentos em vão, de mandingas
e bruxarias. Mas não havia nenhum portal, nem uma porta a ser aberta. E lhe era
negada a entrada naquele mundo outro que tanto almejava. O que conseguia nos textos eram espaços,
lacunas, travas, tombos.
Sua
mágica não era boa. Nem suficiente. E suas gavetas de bocas abertas esperavam a
ração diária. Alimentação literária.
E
sofria. Muito. Via o mundo através de palavras. As ações eram descritas,
reescritas. Parecia estar sempre narrando sua própria vida. Produzindo artigos
científicos de suas dores. Crônicas de suas mazelas particulares. O mundo era
um texto. E em cada reles espaço havia uma palavra a ser decifrada, quebrada
e descoberta em todas as suas
possibilidades.
Mas
era triste. Muito triste. Aquela tristeza dos grandes clássicos. Tristeza
clássica.
Um
dia estendeu um lençol branco no chão. Página mortuária. Deitou o corpo em enigma
e resolveu morrer. Corpo-letra. Ponto. Símbolo.
Naquele
dia as gargantas das gavetas foram devassadas por parentes e amigos. E o
silêncio falou. E dos espaços e quebras e frestas de sua morte, imagens e sons
se fizeram. Em lágrimas de olhos outros. Em verbos que dançavam loucos. E sua morte fez-se letra e frase. E livro. E
texto.
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