Escrever?

"Escreve-se sempre para dar a vida, para liberar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga" (Gilles Deleuze)

terça-feira, 1 de outubro de 2013

O que se leia

O que se leia


             Cada vez que surge o desafio de escrever sobre algo, se há total liberdade de escolher o tema, isso pode se tornar uma tarefa difícil. Ainda mais considerando a pluralidade de assuntos que circulam pelas mídias. Talvez pouco importe para quem não tem ambições financeiras. Mas pode ser essencial para quem precise persuadir ou, pelo menos, chamar a atenção de uma parcela da população.
           Há, por exemplo, quem dependa da imagem política ou os canais, que precisam levar a publicidade para promover produtos, ideias e pessoas. Talvez bons temas conquistem a atenção, independente da redação ou do trabalho artístico. É que busca o jornalista: o que chamam de matéria é aquilo que geralmente se refere a fatos da realidade. Agora, neste início de setembro, estou assistindo ao filme Repórteres de guerra (2010) do diretor Steven Silver. Esta é uma história real de um grupo de jovens repórteres: Greg Marinovich, João Silva, Kevin Carter e Ken Oosterbroek, que tinham a tarefa de cobrir as primeiras eleições após o fim do regime de Apartheid South Africa. Nesse percurso,  dois deles receberam o prêmio Pulitzer. Um deles foi Kevin Carter pela foto do urubu empreitando uma menina exausta pela fome e a desnutrição. A foto realmente obriga a refletir sobre a condição de miséria, que alguns seres humanos podem chegar. Embora o filme invista bastante no choque emocional dos repórteres aos presenciar condições tão precárias de vida, há o corte narrativo, que torna a comemoração próxima ao evento. A foto de um africano espancado e queimado por seus semelhantes, que também rendeu o prêmio, ocorre o mesmo. Após uma crise emocional do repórter, por ter fotografado e se envolvido em uma situação tão brutal, a comemoração pelo prêmio é mostrada logo em seguida. Assim, não há como não pensar que a miséria de uns pode promover a outros.  Só que neste caso pressupõe-se o choque pessoal por confrontarem-se com uma realidade tão cruel e o castigos por mostrar a verdade.
                  Embora tal crítica provavelmente não se aplique a estes jornalistas, isso tudo faz lembrar dos esses meios de comunicação ávidos por novidades, não pelo valor em si do que é tratado, mas pelo que possam chocar a opinião pública. Esse urubu à espreita pode também se tornar uma metáfora desses que em constante necessidade de chamar atenção se utilizam do que se chama popularmente de apelativo. Há quem se alimente de "verdades" polêmicas. No vídeo "Deputado", produzido pelo do canal Portadosfundos do Youtube, em uma reunião, o deputado com os assessores trata da escolha de um tema impactante que permita ao político voltar para a grande mídia, sob a justificativa já deixara de ser o foco há três semanas, portanto: “A gente tem que atirar pra tudo que é lado”. A discussão começa entre as opções de escolha entre os temas viado, negro, funk, etc. A conclusão que se tira disso tudo é a do tamanho das discrepâncias entre os assuntos tratados por que está no centro e as reais necessidades do povo. Um fato Raimundo Faoro (1998), em A pirâmide e o trapézio, já identificara em textos produzidos por Machado de Assis, já antes do Brasil ser uma república. Também se conclui que para quem atingiu as altas esferas políticas já pode até ignorar a relevância dos temas que defende para a sociedade, desde que pareça importante, por que na sua posição, com assessores pagos pelo Estado, ficou mais fácil manipular a opinião pública. As intenções de expor na mídia a defesa de temas como “O Nazismo teve seus benefícios”, “A AIDS foi uma benção, foi providência divina” podem revelar estratégias de que estar em evidência é suficiente para se reeleger. Pouco importa se cem milhões de pessoas se revoltam com aquilo, se apenas umas duzentas mil se identificarem, isto já é suficiente para eleger a si e a vários “colegas” com a legenda do partido. As vítimas do preconceito, na maioria das vazes, desejam apenas ser deixadas em paz. No entanto, ocorre muito de os veículos de comunicação, por parte daqueles que decidem pelo povo, decidirem o que deve ser pauta de discussão. Ainda querem que se acredite que estão prestando grande serviço discutindo permanentemente as diferenças nas frentes deles.
           No que se refere à literatura, a discussões entre o texto engajado e a “arte pela arte” cruzaram séculos sem uma resposta sobre qual a melhor forma a adotar. Mas o texto literário jamais se limitará a uma função utilitária simplesmente. Até mesmo por que isso dependerá de cada um, da sua relação pessoal com o livro. Nele, a exclusão social, o preconceito ou qualquer tema problemático é tratado numa relação íntima com o leitor. Jamais ocorrerá sob os “holofotes” da mídia, a não ser que a pessoa queira expor suas análises através de blogs ou redes sociais. Dessa forma, através do modelo da fábula, utilizando-se de figuras para tratar de situações humanas importantes, ainda é o melhor meio de proporcionar profundas reflexões, sem com isso agredir ninguém.

            O mesmo pensamento não pode ser aplicado aos grandes meios de comunicação de massa, pois se espera que haja uma função social em seus programas, pois são impostos à população em  horário nobre. Estamos numa época em que as pessoas são ávidas por histórias que de alguma forma sejam supostamente reais, reportagens, investigações, truetv, etc. Mesmo com a consciência que os depoimentos pessoais geralmente são questionáveis, isso não tira o interesse das pessoas. Talvez seja o mesmo que ocorre com os realitys shows, pois mesmo que as “tramas” sejam armadas por um grupo determinado de participantes, ainda conservam a audiência. Portanto, em virtude de programas como estes mencionados ou os que exploram a desgraça alheia, é preciso exigir uma postura mais construtiva, principalmente dos canais de televisão. Segundo Millôr Fernandes, “imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”. Já no que se refere aos textos para a internet, veículo que hoje concorre com as emissoras de TV na difusão de informações, em meio a milhões de outros, geralmente requer-se um mínimo de relevância social para ser algo “o que se leia”, sem que se seja esse “urubu à espreita”.
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Paulo Fernando da Silva Furtado


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