Escrever?

"Escreve-se sempre para dar a vida, para liberar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga" (Gilles Deleuze)

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Livre Arbítrio?

O  LIVRE  ARBÍTRIO  NÃO  EXISTE ?


Dias desses li em uma reportagem (da revista Galileu, se não me engano) que alegava que o exercício do Livre Arbítrio (que tanto defendo) simplesmente não existiria...                        
Nosso cérebro, que tem o controle total sobre nós, já teria tomado a decisão antes da gente decidir qual ação realizar. Tipo um sexto sentido. Só que não avisa que já decidiu por nós.    
Darei um exemplo para ficar mais claro: O cara pensa se vai a uma reunião ou não.                                Decide não ir; diz a reportagem, que não era necessário esse dilema, pois o cérebro já havia decidido que ele não iria na reunião, que a dúvida não existia de verdade. Tipo: Eu já sabia!      
Se uma guria “fica” ou não com um guri que a galanteava. Nem titubeie. Faça a primeira coisa que seu cérebro lhe disser, pois ele vai fazer com que você aja de acordo com a decisão dele.     
Me parece meio complicado esse assunto, porém, cada dia mais eu creio que seja verdadeiro.   Já sabíamos que não sentimos dor em parte alguma do corpo, é o cérebro que sente e envia a sensação de dor para que a sintamos. O tal sistema nervoso. Esse papo deixa nervoso mesmo.  
Quanto ao sistema: Odeio o sistema! Fiquei então, no mínimo encucado, encafifado, com atos que tomei, não terem sido impensados então, meu cérebro é que estava com sua pressa habitual e nem se deu ao trabalho de me avisar o que eu mesmo faria. Sinto-me menos burro.
Ou seja, vendo pelo lado positivo, eu nunca errei, só não sabia que ia errar... E será que não dá no mesmo? Acho que me confundi. Melhor! Meu cérebro sabia que eu ia me confundir e não me avisou... Sinto-me melhor por saber isso.
Todas as bobagens que cometi, fiz meio que inconscientemente. Ou foi meu subconsciente? Nem sei mais agora. Será que meu cérebro não está me enganando desde sempre e eu nem sou eu mesmo,mas quem meu cérebro quer que eu seja? E meu cérebro? Não sou eu?
Vou tentar então, explicar esse assunto tão louco dando um nome, ou melhor, um apelido para o meu cérebro: Mondongo. É.. mondongo. Podia ser Tuquinha, Txutxuco,  Baby, Geléka ou Quaternário, mas prefiro mondongão mesmo...                                                                                                             Discuto a relação. Eu não queria. Homens não gostam muito. Mas não era eu, era o Dongão...            Bebi, rastejei até em casa. Não fui eu... O Dongão é que sempre me apronta cada uma...      
Taí, gostei de saber que não tomei minhas próprias decisões. Não usei de meu livre arbítrio; Não era eu, não fui eu, aliás, nunca sou eu. Beleza, muito bom pensar que sou infalível.                                            Pena que meu cérebro, o Mondongão, faz parte de mim, então, fui no mínimo, cúmplice.    
Pensando bem, fui eu quem tomou a decisão de ler a tal revista. E se eu não sabia que eu ia ler, também não saberia se ia escrever esse artigo que você está lendo. Então, ainda estou no comando. Sou eu que tomo minhas próprias decisões. Talvez não todas as vezes, vá lá.      
Mas espera aí. Se estou no comando, fui eu mesmo que cometi todos os erros de minha vida? Ou seria meu cérebro que me está fazendo admitir isso? Prefiro pensar que não sou o culpado por quem eu sou. E que eu sou só um saco de carne comandado pelo Mondongo.               
Dessa mistureba toda, surge meu eu verdadeiro. Decisões que tomei ou deixei de tomar.       
Sou quase um mocotó e não sabia disso.
Ou sabia?         


de Alvaro Lucas

domingo, 28 de julho de 2013

O PEQUENO D. JUAN



Era mais um dia de aula como outro qualquer...até o momento que uma bolinha de papel atingiu em cheio o rosto de Aninha.
O grito da menina atraiu minha atenção, mas antes que eu abrisse a boca...começaram as explicações:
- Não da bola sora!
- O Carlinhos gosta da Aninha por isso jogou a bolinha na cara dela...
            Então foi nesse ponto que uma figura pequena levantou do seu lugar...posicionou-se à frente da turma, colocou a mão direita sobre o coração e declamou:
            - Calma, querida professora! És muito bonita para ficar estressada...Eu já falei ao Carlinhos que não é assim que se trata as mulheres...Para elas se dá flores e se distribui beijos...eu bem sei...pois já tive muitas em meus braços...
            Pronto. A confusão estava terminada. Carlinhos pediu desculpas e Aninha aceitou. Mas a pequena figura ainda não estava satisfeita.
            - Sora!
            - O que foi Joãozinho?
            - Preciso te dizer uma coisa...
            - Espera um pouco...estou corrigindo uma questão da tua colega...já vou te atender.
            - Não, sora. É urgente!
            Ele saiu correndo de sua mesa, pegou-me de surpresa com um beijo estalado no rosto e dirigiu-se novamente aos colegas:
            - Eu não disse que beijava todas...
            Na hora fiquei brava com a atitude de Joãozinho, levantei-me pronta para lhe dar uma bronca, mas...vi aquela figurinha minúscula com um largo sorriso e olhos brilhando de tal forma que perdi a coragem, sorri e só consegui dizer:
            - Pois então, seu Joãozinho...é mesmo um D.Juan...


Tatiana Pastorini

LIBERDADE DE PENSAR

Bem...quando o Ronie me deixou um convite para escrever algumas palavras em sua página...fiquei imaginando o que poderia escrever e cheguei a conclusão que seria uma boa oportunidade para respirar  por meio de simples palavras lançadas ao vento...sem normatizações ou obrigações técnicas que nos martelam dia após dia nas produções acadêmicas que controlam nossa vida “zumbi” na pós-graduação. Então...aqui...vão...palavras...apenas... palavras...livres...soltas e...talvez...não tão leves...sei lá...depende de quem ler...


LIBERDADE DE PENSAR
A História nos deixou diversos testemunhos sobre o cerceamento do ato de pensar. Sabe-se que muita crueldade foi praticada com a finalidade torpe de limitar o pensamento e qualquer forma de expressão considerada apócrifa pelo poder vigente. Um século vai e outro chega...mas a espécie humana “evoluída” continua a repetir esse papel intransigente.
           A humanidade...cheia de sede pelo poder...real ou imaginário...sente-se ameaçada pelo diferente; medo de perder o suposto controle que exerce. Entretanto, mal sabe essa pobre criatura...cega por sua verdade...de que nada adianta proibir a expressão, negar o direito ao diálogo e menosprezar o que o outro pensa. Afinal de contas...a única liberdade plena reside no pensamento...ninguém consegue sufocar as ideias...o campo fértil das mudanças.
            Então...é por essas e outras que digo...meu silêncio costuma falar muito mais que as palavras que me escapam pela boca. Meus pensamentos são livres de qualquer cerceamento social ou político e ao longo dos anos aprendi a não proferir tudo o que martela sistematicamente em meu cérebro.  Medo? Não! Apenas aprendi a conhecer um pouco mais da humanidade e por isso sei que não vale a pena falar para quem não pode ou não quer ouvir. 

Tatiana Pastorini
              


sábado, 27 de julho de 2013

Não seja um Lurker!!!

Você gosta de escrever? Tem vontade de experimentar? Se arriscar?
Pois bem. Aqui é o lugar. Entre no blog "UMA"Escrita. Vá em login. Digite o e-mail e a senha que estão no convite e ESCREVA. Participe! 
Escreva um conto, uma poesia, uma crônica. Escreva. A internet nos dá as possibilidades para isso.
Não seja apenas um Lurker!

Poema Falado - O Homem, As Viagens - Drummond

Eu, do alto de meus pensamentos.Simplórios!?,Utópicos!?..


Eu, do alto dos meus sentimentos "SIMPLÓRIOS", mesmo quando digo que vou me abster de comentar , de ver , olhar falar, as coisas do mundo.Tento, mas não consigo.Hoje vendo e ouvindo toda esta movimentação da chegada do Papa, não consegui deixar de registrar alguma coisa.Não me importa, nem me interessa a "POLITICAGEM", pois sei que ela existe em todos os setores, e seguimentos.Eu acredito em pessoas , olhos , caráter.E os olhos do Papa, para mim ,que acredito ,repito em "OLHOS", me transmitem paz,.Uma paz que o mundo, que a s pessoas estão precisando.Deixo claro que não sou católica, que minha fé,minha igreja é DEUS.Mas creio que este movimento certamente levará muitas pessoas a reflexão, espero que dê a muitos jovens a esperança, a resposta pra muitas perguntas, o alento pra muitas angustias.Esperança, fé e a riqueza do amor, transcendendo fronteiras, um encontro de jovens, agasalhando-se nos braços de cristo."Não tenho ouro nem prata,mas trago-lhes o amor de Cristo".Mais ou menos isso ouvi falar o Papa.Espero que os jovens e a humanidade, encontrem em cristo o saciamento de todas as suas angustias, que o mundo se empregne desta energia que emana dos corações destes jovens. E o Papa fala algo como:- Cristo bota fé nos jovens, e espera que criem um mundo de irmãos, que os jovens também ponham fé em Cristo.Dos pais, expressão usada por nós brasileiros ,os filhos são a menina dos olhos.E disse o Papa:- janela pela qual entra a luz.Que esta luz, invada o coração de todos nós "HUMANOS", e nos tornemos humanos no sentido amplo da palavra, temos a obrigação de entregar um mundo melhor, aos nossos filhos, aos nossos netos, e eu acredito, que só o Faremos , quando todos percebermos que necessitamos nos aliar a esta energia chamada Deus, Jesus, que nos permite termos discernimento, clareza nos pensamentos e nas atitudes. "Os braços do Papa se alargam". Ninguém se sinta excluido do afeto do Papa".Ouvi isso no fechamento do discurso de Francisco.É isso , simples, a humanidade precisa de sentir-se abraçada, apoiada, amada.Que todo este movimento sirva então para que repensemos nossas vidas, que aqui estamos e não é por nada, estamos de passagem , e não importa a religião, não importam os rituais , importam as atitudes, os atos.Que Francisco , independente da política do Vaticano,ao meu ver, tem um olhar de verdade, tem gestos, atitudes, de "gente boa" .Repito, eu quero crer na humanidade ,ainda.... Vai Francisco.!!!. continua tua caminhada, abraçando os necessitados, tem vezes que nem o ouro, conforta tanto como um forte abraço........A humanidade necessita de grandes gestos e de grandes a titudes...Podem me chamar de Utópica, e até de simplória..Eu acredito que só Deus, energia boa,nos dará forças para seguir em  frente.
                                                   
  



                                                                                                         Mara Rubia Martins

Racismo não é mal entendido!!


1.      Racismo, não é mal entendido.....Eu não ia comentar o episódio pelo qual eu passei ,mas diante do caso, relatado no jornal Hoje, onde o casal teve o filho de criação ,que filho é, e é da raça negra, destratado por um gerente de uma revenda de carros de luxo, provavelmente por entender que ali não era lugar, para um "NEGRINHO"!!!..e disse que ali não era lugar para ele...Só então soube que o menino era filho do casal.Bem até agora o caso vem sendo tratado como "MAL ENTENDIDO".Bem, voltando então pelo que eu passei, consultando uma optometrista de uma ótica famosa e muito boa, "rica pessoa","muito simpática" e dona de uma casa de  eventos.No meio da conversa "muito animada", refere-se a mim e minha filha , que em um determinado dia, a festa estava muito boa, um ambiente muito bom, cheio de gente branca, pois como segundo ela nos disse, sabíamos que lá era frequentado por muitos negros.Momento infeliz, observação daninha, pois não sabia ela que eu sou esposa de um negro, minha filha também é casada com um negro, Sou descente de negros, o que muito orgulha , a mim e a meus filhos, minha irmã ,também é casada com um negro, e deles muito nos orgulhamos, pois "são do bem".Portanto resolvi fazer o registro, pois eu mesma duvidava que o racismo fosse tão grande ainda em nossa sociedade. Uma pena que as pessoas sejam tão "PODRES", e tão ignorantes.Pena desta gente de alma tão imunda....Negra, é a cor de uma raça, e não o sinônimo de sujeira , de incapacidade e de maldade.Aprenda humanidade, desumana e burra!!......Sei que vou descer da chinelas...Mas gente boa ou ruim, independe da cor que têm.Tem gente "BRANCA"que não deveria por a cara ,onde muitos "Negros põe a bundaaaaa!!!

                                                                  Mara   Rubia  Martins
                                                                                                    

sexta-feira, 26 de julho de 2013

O menino e o rio - Manoel De Barros - CD Crianceiras

Velhos na esquina



Ser velho era uma coisa interessante... Pensava. Buscava formas de justificar, amenizar certas contrariedades, certos... ou incertos pensamentos?
Ser velho era uma merda. Ponto final. Levantou da cama seus oitenta anos. Sim. Ainda conseguia fazer isso. Era “danado” como dizia a neta. “ O vô é danado de forte.” Mas não era. Forte. Não era forte. Era insistente. Insistia com a vida. Só pra contrariar a morte. As duas amantes ciumentas.
Gostava de deixar a outra enlouquecida. Enciumada. Sorria com as dores e tosses e rugas que indefiniam seu corpo. Corpo insistente.
Levantava e ainda de pijamas abria uma janela. Para um grande muro. Alto. Tijolo a vista. E dizia a frase: “Mas que merda!” e sorria satisfeito com a afronta. Fechava a janela e vestia-se. Gemidos e palavrões revestiam todo o ato de se recompor socialmente. Vestimenta e máscara. Xingava, ofendia, as vezes até alguns gazes de odor duvidoso eram percebidos no quarto. Depois saia para o resto da casa. Sorriso enrugado no rosto.   Costas arqueadas para o café. Preto e quente. “- Vai fazer mal pai...” e ele colocava outra colher de café, mais forte, mais amargo, mais letal. E sorria. Sorriso de afronta aos cuidados todos.
A mulher do filho nem levantava o rosto. Contrariada. O corpo velho sentado à mesa não pertencia a família dela. Não queria, não precisava de tudo aquilo. Ele ouvia ela reclamar para o filho. Achava que a mulher tinha razão. Se fosse com ele... pensava. Mas fazer o quê? E então peidava estridente. O olho brilhante na direção da mulher que se levantava brandindo raiva e indignação e se afastava da mesa. O filho. Um olhar repreendedor. “- Escapou... sabe como é... oitenta...” e a neta repetia a frase. “- O vô é danado...” olhos sorrindo.
Depois era a rua e o sol. Quando era jovem não dava importância para o sol. Não como dava agora.  Sentava em silêncio em um banco e deixava o sol carregar as velhas baterias do corpo. “Sai do sol... pai...”  tinha vontade de levantar a mão e mostrar o dedo ossudo e ameaçador ao filho, mas agora os papéis estavam invertidos. Isso ele também nunca imaginou. Agora era a criança. Às vezes até fraldas tinha que usar. Então levantava e saia. A manhã era longa e ele buscaria abrigo nas vetustas palavras da velharia que ainda resistia.
Havia um itinerário pré-definido até chegar ao ponto final, onde ele encontrava mais cinco anciões. E sentados na esquina da quitanda do Seu Renegado, acabaram estimulando a imaginação e criatividade da população que carinhosamente denominava a esquina de “A esquina do pinto morto.” É claro que ninguém dizia nada para os nobres velhinhos, mas todos já se referiam ao lugar pelo apelido. “- Você sabia que o carro do seu Germano bateu na bicicleta do Seu Etário bem na esquina do Pinto Morto?” “ Na madruga a policia teve que separar uma briga de borrachos bem ali na esquina do Pinto Morto”.
Algumas crianças tentavam descobrir o motivo do apelido dado ao lugar; atropelamento de pintinhos, ovos estragados, essas coisas. Os pais sorriam e “enrolavam” as crianças que logo iam encher o saco dos velhotes.
O mais velho era o mais chato e bêbado. Dizia que já tinha morrido e tinham esquecido dele, então ... pro diabo! Emborcava um copo de cachaça azulada e ardente. E fazia uma careta horrível. O silencio dos dentes que faltavam eram compensados com a língua ferina dos olhos amendoados e libidinosos.
Um deles só dormia. Fechava os olhos e roncava. Algumas vezes recebia um tapa na perna e acordava sobressaltado mandando todos à merda. Riam com dentes gastos e risadas que atravessavam as gerações. Eram crianças. Guris. Jovens. Com todas as dores, todas as rugas e todas as “molezas” do corpo. Gargalhavam alto e se engasgavam... e continuavam rindo. Em uma dessas risadas o mais velho e mais bêbado foi encontrado - finalmente-  e levado. A esquina foi abandonada e ninguém mais viu todos eles juntos. Separados agora. Tinham decidido. Já não era a mesma coisa.
Certa vez encontrou o que dormia. No hospital. Deitado em uma maca, olhos arregalados e assustados. Acordado. Muito acordado. Medo de dormir e nunca mais... Apertou a mão do amigo. Um sorriso. E foi embora. Decidiu que quando a coisa chegasse não ficaria com aqueles olhos arregalados. Que fosse pra puta que pariu. Se quisesse dormir dormiria, pegaria ele dormindo, sem esforço, mas sem graça também. Ela gostava de luta, de desespero. Seria frustrante pra Ela. Não alimentaria aquela puta com seu medo.
Decidido. Acertado. As costas doíam. Parou um pouco e ponderou: Porque não estava chorando pelo amigo? Lágrimas? Sorriu todas as rugas. Seco. Não havia água em seu deserto particular. Decidiu isso também. Essas coisas... essas frescuras... Seguiu caminhando. Mais um peido. Fedido. Em homenagem aos amigos.
Em uma dessas caminhadas perdeu-se. A cidade de repente pareceu mudar, as ruas mudaram o rumo, direção... As pessoas já não eram conhecidas, nem casas nem nada. E o filho o encontrou e o colocou no quarto. Televisão e cama limpa. Um despertador e um chinelo felpudo.
Deitou na cama. Sorriu. Quando Ela apareceu deu mais um peido. Peido de desobediência e insubordinação. Sorriu. Antes de ir teve a feliz sensação de uma ereção.
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Ronie Von Rosa Martins - professor de Língua Portuguesa


Trecho do filme "Só dez por cento é mentira" de Pedro Cézar

Sobre Manuel de Barros.

Renato Godá - Eu Sei

Plataforma de Michel Houellebecq

"Tampouco me casei. Tive várias oportunidades, mas abri mão de todas elas. No entanto gosto das mulheres. O celibato é uma espécie de desgosto na minha vida. Incomoda principalmente nas férias, porque as pessoas desconfiam de homens na minha idade passando férias sozinhos: supõem neles um bocado de egoísmo e sem dúvida um pouco de vício; não posso dizer que estejam erradas."

Moby Dick



"Parece-me que nos temos enganado vastamente nesta questão de Vida e de Morte. Parece-me que o que chamam de minha sombra aqui na terra é minha verdadeira substância. Parece-me que, ao considerar as coisas espirituais, aproximamo-nos muito de ostras que observam o sol através da água, a pensar que essa água espessa é a parte mais tênue do ar. Parece-me que meu corpo é apenas a borra de meu ser melhor. Na verdade, leve meu corpo quem quiser, levem-no, eu digo, ele não é o que sou."

Um certo Capitão Rodrigo

"Nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!"

Teoria do Humanitismo(Quincas Borba)

Teoria do Humanitismo (Quincas Borba)

Supõe tu um campo de batatas e duas tribos famintas. As batatas apenas chegam para alimentar uma das tribos, que assim adquire forças para transpor a montanha e ir à outra vertente, onde há batatas em abundância; mas, se as duas tribos dividirem em paz as batatas do campo, não chegam a nutrir-se suficientemente e morrem de inanição. A paz, nesse caso, é a destruição; a guerra é a conservação. Uma das tribos extermina a outra e recolhe os despojos. (...) ao vencido, ódio ou compaixão; ao vencedor, as batatas.

“INHO”




Tinha um nome com “inho”. Na verdade não era um nome. Era apelido. Mas era como se fosse.  Ninguém conhecia o outro. Aquele sem o “inho”.  Não sabia se gostava. Não gostava?
Ainda não tinha decidido. Inferioridade ou carinho?  Ou achavam que tinha alguma coisa a ver com feminilidade? O povo começava a colocar um “inho” no final dos nomes e em seguida os “caras” abriam o “jogo”.  Escancaravam.  Mudavam de cor e de lado. Tudo por causa do “inho”.
É. Mas gostava quando a mãe chamava.  Sensação de proteção e carinho. Olha só, lá estava ele novamente.  Começava a desconfiar daquele pedacinho de palavra.
A mãe podia. Mas a gurizada da rua já era sacanagem... tinha alguns nomes que aceitavam legal aquele “inho”. Luíz. Luizinho. Pedro. Pedrinho.  Outros não. O dele era o daqueles. Ficava estranho. Enfraquecia o corpo. O corpo da palavra. Do próprio nome. Tá... deixava mais alegre, mais jovial. Mas quando acentuavam propositalmente o final, aí vinha palhaçada... sacanagem...
Mas e as mulheres? É... elas até que gostavam... e na boca delas até que soava bem aquele maldito “inho”, dava um certo tom de afinidade e prometia certa libidinagem... as palavras são poderosas.
Gostava quando a namorada chamava. Ficava inclusive excitado. Tá... A namorada e as “mulherada” podiam chamar do jeito que quisessem... Mas o encardido do guri filho da vizinha já era sacanagem...
O moleque fazia careta e gritava da porta da casa: “E aí “.......inho?” Uma voz que destilava maldade e maledicência.
Só não chutava a bunda do moleque porque a mãe não deixava: “É só uma criança... não dá bola...” mas o guri era o diabo. “Pô”, até merecia uns tapas. Aquela cara sardenta e desaforada.  Tá... não tinha pai, e podia ser desculpado... mas um pé na bunda não ia traumatizar o capeta...
E o infeliz tinha um nome nada proporcional para o tamanho. Acreditem. Tonhão era o nome do desgraçado. Tonhão! Era por isso que ele tirava “onda” do meu nome. O moleque era um rascunho de gente e tinha um nome que retumbava. E eu tinha um nome que assoviava. Uma vez reclamei pra mãe.  Ela disse que gostava. Não é bonito? Perguntava ela com aqueles olhos grandes de decidir tudo. “É mãe...é bonito...” mas não precisava o “inho”.
“É que você vai ser sempre o meu filhinho...” Sorria ela. Eu levantava e ia pro quarto.  Às vezes o infeliz do Tonhão escrevia o meu nome em um papelão e mostrava na janela. Sacana o guri. Eu apontava o dedo médio para ele. Indicando um lugar determinado. Uma vez a mãe do guri viu o meu movimento de dedo e reclamou para minha mãe. “Atitudes obscenas meu filho?”  as explicações foram longas. E acabaram em um psicólogo. O cara dizia que tudo era bobagem e que era coisa da minha cabeça e essas coisas.  O nome dele era Murilo Aparecido Fontes, mas que eu podia chama-lo de Murilinho.  Só podia ser sacanagem! Olhei pra minha mãe, ela não entendia nada. Levantei e fui embora. 
Vejam bem... não é que eu tenha esses lances de preconceito. Essas coisas de ... ah... cada um tem o direito de escolher as cores de sua bandeira... entenderam... é... é isso. Tá... mas também não é preciso esfregar a “bandeira” na cara das pessoas.
Tá ficando complicado? É... é que é chato. E as pessoas ficavam zoando a gente. E eu sou brabo. Já quero briga. E sei que é burrice. Estupides e essas coisas. Até me arrependo depois. Mas é que é brabo... é muito brabo...
Abandonei o psicólogo, dei desculpa e essas coisas que todo o mundo faz.  Deixei a barba crescer e comecei a fazer cara de malvado. Não “rolou”, e a coisa ficou pior.
Cresci, mudei de cidade, arrumei um emprego legal e acabei com o “inho” do meu nome.  Mas a desgraça me persegue. Depois de vinte anos, estou eu aqui na sala de redação do jornalzinho da minha cidade quando anunciam o novo dono do jornal. Seu Antonio Arruda do Nascimento. O cara entra acompanhado de uma deusa. Mulher linda, loira e extremamente formosa. Os olhos dele caem em mim e eu quase tenho um infarto. Brilham de contentamento. Era o Tonhão.
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Ronie Von Rosa Martins


Das coisas...




Agora havia um silêncio. Ou “o” silêncio. Seria uma coisa só. Única, não divisível, apenas interrompida esporadicamente pelo som. Todos os sons. Barulho. E agora era só o teclado.
Mentira. Se parasse e ouvisse, ouviria o mundo rangendo seus dentes, suas articulações cansadas. O movimento e o som.
Mas o ouvido era treinado. Treinado para não ouvir longe. Nem dentro. Não ouvir. Então era o silêncio. Como seria morrer?
Ladainhas e murmúrios? Lamentos e choro?  Graves vozes te condenando a um inferno eterno? Ou só o grande silêncio. O movimento sem som. O olho sem luz. O grande nada?
O café e o estômago. Muita água do chimarrão. Quente. O café nem tanto. Fraco e sem graça. A bolacha d’água também. Ausência de gosto.
O livro ainda por acabar. Ou começar novamente. Um livro acaba? Ou reverbera mil outras coisas? Acaba?
O relógio ali. No canto direito da tela, 18:22. A sala vazia e a grande mesa. E o texto se tecendo, procriando letras e ideias no esforço  do vazio. Buscar palavras no ar. Caça-las, manipulá-las. Ou deixar que elas façam isso no corpo. Deixar que elas criem o próprio corpo do texto, a carne do texto.
Um gole no café ,agora, ainda mais frio. E doce. O chimarrão estava melhor. Quente.
O que há é uma espera. Sempre há uma espera. Mesmo que não estejamos conscientes disso. Esperamos. Sempre.
Somos a própria espera. E nela o corpo padece. A carne do corpo falece. E encontra? Eis a dúvida. Encontrar o quê? Nem sabemos o que esperamos. Eu não sei.
Mas espero com os outros. Questão de socialização. Se todos olham para cima, lá vão meus olhos também. Sorrimos todos esperando. Isso nos torna mais felizes. A felicidade é importante. Até mesmo em pequenas dozes. Mas o texto não pretende ser pessimista ou lamurioso. Pretende ser apenas texto. Texto que cresce entre estes interstícios de vazio. Palavra por palavra. Meio Frankstein. Texto monstro.
O estômago agora doí e revoltado divulga os sons de sua dor. Comer. Devorar. O corpo possui essa necessidade de destruição de outro corpo. Assimilação de outro corpo no próprio corpo. O corpo não sobrevive sem a morte. A vida do corpo depende da morte de outro corpo qualquer. Animal ou vegetal. Vida e morte. E muitos dentes. Mastigar a vida até a morte.
Ronie Von Rosa Martins


Você gostaria de participar de uma experiência de escrita?