Escrever?

"Escreve-se sempre para dar a vida, para liberar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga" (Gilles Deleuze)

sexta-feira, 26 de julho de 2013

Das coisas...




Agora havia um silêncio. Ou “o” silêncio. Seria uma coisa só. Única, não divisível, apenas interrompida esporadicamente pelo som. Todos os sons. Barulho. E agora era só o teclado.
Mentira. Se parasse e ouvisse, ouviria o mundo rangendo seus dentes, suas articulações cansadas. O movimento e o som.
Mas o ouvido era treinado. Treinado para não ouvir longe. Nem dentro. Não ouvir. Então era o silêncio. Como seria morrer?
Ladainhas e murmúrios? Lamentos e choro?  Graves vozes te condenando a um inferno eterno? Ou só o grande silêncio. O movimento sem som. O olho sem luz. O grande nada?
O café e o estômago. Muita água do chimarrão. Quente. O café nem tanto. Fraco e sem graça. A bolacha d’água também. Ausência de gosto.
O livro ainda por acabar. Ou começar novamente. Um livro acaba? Ou reverbera mil outras coisas? Acaba?
O relógio ali. No canto direito da tela, 18:22. A sala vazia e a grande mesa. E o texto se tecendo, procriando letras e ideias no esforço  do vazio. Buscar palavras no ar. Caça-las, manipulá-las. Ou deixar que elas façam isso no corpo. Deixar que elas criem o próprio corpo do texto, a carne do texto.
Um gole no café ,agora, ainda mais frio. E doce. O chimarrão estava melhor. Quente.
O que há é uma espera. Sempre há uma espera. Mesmo que não estejamos conscientes disso. Esperamos. Sempre.
Somos a própria espera. E nela o corpo padece. A carne do corpo falece. E encontra? Eis a dúvida. Encontrar o quê? Nem sabemos o que esperamos. Eu não sei.
Mas espero com os outros. Questão de socialização. Se todos olham para cima, lá vão meus olhos também. Sorrimos todos esperando. Isso nos torna mais felizes. A felicidade é importante. Até mesmo em pequenas dozes. Mas o texto não pretende ser pessimista ou lamurioso. Pretende ser apenas texto. Texto que cresce entre estes interstícios de vazio. Palavra por palavra. Meio Frankstein. Texto monstro.
O estômago agora doí e revoltado divulga os sons de sua dor. Comer. Devorar. O corpo possui essa necessidade de destruição de outro corpo. Assimilação de outro corpo no próprio corpo. O corpo não sobrevive sem a morte. A vida do corpo depende da morte de outro corpo qualquer. Animal ou vegetal. Vida e morte. E muitos dentes. Mastigar a vida até a morte.
Ronie Von Rosa Martins


Nenhum comentário: