O que se leia
Cada vez que surge o desafio de
escrever sobre algo, se há
total liberdade de escolher o tema, isso pode se tornar uma tarefa difícil. Ainda mais considerando
a pluralidade de assuntos que circulam pelas mídias. Talvez pouco importe para quem
não tem ambições financeiras. Mas pode ser essencial para quem precise
persuadir ou, pelo menos, chamar a atenção de uma parcela da população.
Há, por exemplo, quem dependa da imagem política ou os canais, que precisam levar a
publicidade para promover produtos, ideias e pessoas. Talvez bons temas
conquistem a atenção, independente da redação ou do trabalho artístico. É que busca o
jornalista: o que chamam de matéria
é aquilo que geralmente se refere a fatos da realidade. Agora, neste início de setembro, estou
assistindo ao filme Repórteres de guerra (2010) do diretor Steven
Silver. Esta é uma história real de um grupo de
jovens repórteres: Greg Marinovich, João Silva, Kevin Carter e Ken Oosterbroek,
que tinham a tarefa de cobrir as
primeiras eleições após o fim do
regime de Apartheid South Africa. Nesse
percurso, dois deles receberam
o prêmio Pulitzer. Um deles
foi Kevin Carter pela foto do
urubu empreitando uma menina exausta pela fome e a desnutrição. A foto
realmente obriga a refletir sobre a condição de miséria, que alguns seres
humanos podem chegar. Embora o filme invista bastante no choque emocional dos
repórteres aos presenciar condições tão precárias de vida, há o corte
narrativo, que torna a comemoração próxima ao evento. A foto de um africano
espancado e queimado por seus semelhantes, que também rendeu o prêmio, ocorre o
mesmo. Após uma crise emocional do repórter, por ter fotografado e se envolvido
em uma situação tão brutal, a comemoração pelo prêmio é mostrada logo em seguida.
Assim, não há como não pensar que a miséria de uns pode promover a outros. Só que neste caso pressupõe-se o choque pessoal por confrontarem-se
com uma realidade tão cruel e o castigos por mostrar a verdade.
Embora tal crítica provavelmente
não se aplique a estes jornalistas, isso tudo faz lembrar dos esses meios de
comunicação ávidos por
novidades, não pelo valor em si do que é tratado, mas pelo que possam chocar a
opinião pública. Esse
urubu à espreita pode
também se tornar uma metáfora desses que em constante
necessidade de chamar atenção se utilizam do que se chama popularmente de
apelativo. Há quem se
alimente de "verdades" polêmicas. No vídeo "Deputado", produzido pelo do
canal Portadosfundos do Youtube, em uma reunião, o deputado com
os assessores trata da escolha de um tema impactante que permita ao político
voltar para a grande mídia,
sob a justificativa já deixara de ser o foco há três semanas, portanto: “A
gente tem que atirar pra tudo que é lado”. A discussão começa entre as opções
de escolha entre os temas viado, negro, funk, etc. A conclusão que se tira
disso tudo é a do tamanho das discrepâncias entre os assuntos tratados por que
está no centro e as reais necessidades do povo. Um fato Raimundo Faoro (1998),
em A pirâmide e o trapézio, já identificara em textos produzidos por
Machado de Assis, já antes do Brasil ser uma república. Também se conclui que
para quem atingiu as altas esferas políticas já pode até ignorar a relevância
dos temas que defende para a sociedade, desde que pareça importante, por que na
sua posição, com assessores pagos pelo Estado, ficou mais fácil manipular a
opinião pública. As intenções de expor na mídia a defesa de temas como “O
Nazismo teve seus benefícios”, “A AIDS foi uma benção, foi providência divina”
podem revelar estratégias de que estar em evidência é suficiente para se
reeleger. Pouco importa se cem milhões de pessoas se revoltam com aquilo, se
apenas umas duzentas mil se identificarem, isto já é suficiente para eleger a
si e a vários “colegas” com a legenda do partido. As vítimas do preconceito, na
maioria das vazes, desejam apenas ser deixadas em paz. No entanto, ocorre muito
de os veículos de comunicação, por parte daqueles que decidem pelo povo,
decidirem o que deve ser pauta de discussão. Ainda querem que se acredite que
estão prestando grande serviço discutindo permanentemente as diferenças nas
frentes deles.
No que se refere à literatura, a
discussões entre o texto engajado e a “arte pela arte” cruzaram séculos sem uma
resposta sobre qual a melhor forma a adotar. Mas o texto literário jamais se
limitará a uma função utilitária simplesmente. Até mesmo por que isso dependerá
de cada um, da sua relação pessoal com o livro. Nele, a exclusão social, o
preconceito ou qualquer tema problemático é tratado numa relação íntima com o
leitor. Jamais ocorrerá sob os “holofotes” da mídia, a não ser que a pessoa
queira expor suas análises através de blogs ou redes sociais. Dessa forma,
através do modelo da fábula, utilizando-se de figuras para tratar de situações
humanas importantes, ainda é o melhor meio de proporcionar profundas reflexões,
sem com isso agredir ninguém.
O mesmo pensamento não pode ser aplicado aos
grandes meios de comunicação de massa, pois se espera que haja uma função
social em seus programas, pois são impostos à população em horário nobre. Estamos numa época em que as
pessoas são ávidas por histórias que de alguma forma sejam supostamente reais,
reportagens, investigações, truetv,
etc. Mesmo com a consciência que os depoimentos pessoais geralmente são
questionáveis, isso não tira o interesse das pessoas. Talvez seja o mesmo que
ocorre com os realitys shows, pois
mesmo que as “tramas” sejam armadas por um grupo determinado de participantes,
ainda conservam a audiência. Portanto, em virtude de programas como estes
mencionados ou os que exploram a desgraça alheia, é preciso exigir uma postura
mais construtiva, principalmente dos canais de televisão. Segundo Millôr
Fernandes, “imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”. Já no
que se refere aos textos para a internet, veículo que hoje concorre com as
emissoras de TV na difusão de informações, em meio a milhões de outros,
geralmente requer-se um mínimo de relevância social para ser algo “o que se leia”,
sem que se seja esse “urubu à espreita”.
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Paulo Fernando da Silva Furtado