Escrever?

"Escreve-se sempre para dar a vida, para liberar a vida aí onde ela está aprisionada, para traçar linhas de fuga" (Gilles Deleuze)

sábado, 1 de junho de 2013

ESTÁTUA



Da distância de onde sempre estava olhou. Olhava sempre com o nada entre. Gostava de tê-lo como meio. O meio. Entremeio. As proximidades demasiadas o angustiavam. O contato da fala. Enroscar seu próprio verbo com o de outrem. Articular respostas e propor questões. Preferia aqueles espaços de leve borramento. Sim, como se nada conseguisse muita definição. Como se as linhas investissem-se de imprecisão. Como se o mundo ameaçasse apagar-se. Preferia assim.
Não ao calor do corpo. A sensação dele.  O corpo sempre vinha com a alma, a religião, o mercado o capital. Era tudo. Inclusive nada. Preferia esse. O singular nada em que existia.
Não era visto ou notado. E para seus olhos os outros eram sombras. Movimento indefinido. Fantasmas. Estaria dormindo? Morto?
Que diferença faria?
Não esperassem o choro. Não era disso. Essas coisas dos espíritos fracos e carentes. Gêmea-alma. Romance.
Longe trilhava. Seco. Frio. Frio? Não. Não tinha a ver com essas dicotomias simplórias entre as temperaturas. Apenas não se sentia tocado pelas forças que moviam estas coisas. Sexo. Sexo era outra coisa. Necessidade.  Mas nunca uma prioridade. O cérebro cogitava outros tipos de prazeres. Seria realmente prazer? Achava que não.
Existir, só isso. Era assim que ele via. Estátua de pedra. A forma esculpida. O sentimento na forma. Leão, anjo, gárgula. Pedra. E a forma tinha sonho, força, poder. E era só pedra. Ele era carne. Só carne. Como a pedra. A substância. O material da forma.
Amigos não precisava. Nem queria. Ouvir era uma coisa impossível. Ouvir  sobre os amores e dores, rir e brincar? Não. O tempo era a única distração.
Observar as rugas do mundo encobrindo todas as carnes e a aflição de alguns sendo cobertos por essas ranhuras. O brilho dos olhos se perdendo. O tempo moendo as carnes, engolindo pedaço por pedaço da juventude das gerações.
Observar a vida nascendo e morrendo. Girando. Vibrando  e cessando.
A terra e o túmulo e o buraco bem fundo e a dor e a lágrima e os passos indo e vindo e o silêncio.
Estátua. Seria?

Os pássaros voavam alto. Odiava pombas.
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Ronie Von Rosa Martins

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