Um
sorriso era a tentativa de não ser rude. Artimanha para ludibriar a situação.
Como se esta fosse suscetível a qualquer artimanha. Fato. Ato. É isso que é.
Tempo também. Pois que se esvai, desgasta e acaba. Morre. Não o sorriso. As
poucas palavras que não dizem. Pretendem o silêncio, mas que não são
entendidas. Confundidas com acenos e afagos a outras tantas palavras que
deságuam, derramam... e inundam.
O
ambiente é o ônibus. E sacode como todo ônibus. E isso é bom. Deslocamento do
corpo, dos órgãos, das palavras, das idéias. E os rostos e os corpos todos. E
os silêncios que se fazem das bocas e as bocas que murmuram seus silêncios
indiscretos.
O
pensamento é o maior passageiro de qualquer ônibus. Sobre os corpos. Através
dos corpos. Palavras em idéias e textos que se enroscam silenciosamente nas
carnes. As vezes sufocam. É por isso que o ônibus sacoleja. Salta. Atira os
corpos para cima e para os lados. E quando fica vazio. Sobra nele ainda
vestígios perdidos de pensamentos. Pedaços de todos.
Mas
a conversa é diferente. A conversa é uma força. Um poder que se sobressai, que
é infringido sem dó aos passageiros que não gostam da conversa. Falar.
Existem
aqueles que preferem ouvir. Em silêncio constituem textos enormes. Colcha de
retalhos de todos os outros textos. Ouvir. Se deixar atravessar pelos discursos
alheios. Ser um espaço liso por onde a fala desliza e flui. Mas conversar é ser
estrato. É ser coisa. Coisa que obstrui,
retém e devolve. Devolve energia, impulso, força e no caso fala. E falar sem
pretender falar é agressão. É violência. Contra quem não quer falar e contra o
interlocutor.
Falar
é jogar palavras, oferecer palavras sem cuidado, sem tato e sem paixão. Falar. Proferir palavras.
Conversar. Costurar assuntos, pontuar idéias. Curiosidades resolvidas.
Banalidades construídas.
Ritual.
Todo ritual é sagrado. Mesmo que não façamos nossa essa crença. Respeito.
Tradição. Navegar no mesmo rio, cordialidade. Simpatia. Eis o sorriso. O
consentimento da cabeça. “Sim..., claro... é...” confirmações, consentimentos.
A conversa ali e o pensamento lá. Este analisando de forma acadêmica e técnica
a conversa. Pensamento que destrincha desconstói e acaba silenciosamente a
conversa. E há o hálito. Álcool. E há a vida e as dores e os parentes, e as
dívidas... E há o mundo.
Mas
você não quer o mundo. Você quer o silêncio e a criação de um outro mundo. Não
este que corre fora do ônibus ou este que é expelido pela boca do interlocutor.
Não. Este mundo é o seu mundo. É a sua terra. Seu buraco. Seu túmulo. Este
discurso é a tua redução, teu resumo. Limitação e constatação.
É
então que ela pergunta sobre o livro que tentavas ler. Carrol. Você diz. Alice.
País das maravilhas. Ela fica te observando e se cala.
Você
acha que está tudo resolvido... mas ela volta: “Essa cartola está fora de
moda.”
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Ronie Von Rosa Martins
Ronie Von Rosa Martins
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